AS SAUDADES QUE TENHO....
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Mulerite
m.f
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AS SAUDADES QUE TENHO....
As lições do Joaquim
O Joaquim era o meu companheiro preferido de brincadeira, em tempo de férias da escola primária. Com ele calcorreava a quinta onde moravam os meus avós paternos, no Pinheiro Grande, que foi palco das mais excitantes descobertas e aventuras da minha meninice. A propriedade era pertença do senhor David Salgado, conhecido farmacêutico na Golegã, que ali vinha passar fins-de-semana e períodos de férias com a família.
.jpg][Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar esta imagem]Com o Joaquim aprendi a armar ratoeiras, a fazer fisgas com elásticos e couro flexível montados num pedaço de ramo em Y, e a construir armadilhas, com bocados de cana presos com guita, para caçar melros e tordos vivos, sendo o engodo as lagartas que ele desencantava com perícia nos caules do milho.
No tanque que ficava no cimo da encosta, já a caminho da charneca, observávamos deliciados o verde mesclado e brilhante das rãs e, coisa espantosa, impressionavam-nos os insectos que deslizavam à superfície da água, por impulsos descontínuos, apoiados nas patas, cujas extremidades pareciam ter almofadas flutuadoras. Era aí também que púnhamos a navegar os pequenos barcos construídos com casca de pinheiro, que se deixava facilmente moldar com o canivete. Recordo-me que, na fase dos acabamentos, esfregávamos as partes a bolear nas paredes de cimento do tanque, que era a lixa que tínhamos à mão.
À hora da merenda, subíamos a uma nespereira enorme, inclinada sobre uma courela, que ficava próximo do canavial onde pernoitavam bandos infindos de pardais barulhentos. Ou, então, descíamos à várzea, para saborear as ameixas mais perfumadas que já conheci. Outras vezes, respondia ao chamamento vindo de baixo, gritado da eira onde guinchava a máquina de descarolar o milho e se ouvia o bater compassado dos manguais, entremeado com a vozearia dos homens atarefados na debulha do feijão. Pão com queijo e uma pinga de café adoçado com mel de cortiços caseiros, era o tipo de mimos com que a avó Engrácia me apaparicava.
Guerras também as fazíamos, naquele tempo. O Joaquim era um especialista no fabrico de armas de arremesso. Uma delas era feita com um tronco direito de sabugueiro, a que se retirava o miolo, onde trabalhava um êmbolo feito à medida, em pau de marmeleiro: os projécteis eram pequenas rolhas de cortiça colocadas nas extremidades do tronco, que saíam com estrondo sob a pressão do ar. Numa outra arma, mais sofisticada, que até tinha gatilho, o Joaquim utilizava como espingarda um bocado de cana grossa com cavidades judiciosamente abertas, onde encaixava um ramo de marmeleiro dobrado: aqui, as balas eram pequenos canudos de cana fina colocados no interior do cano, encostados ao gatilho; desprendido este, lá voava o projéctil em direcção aos soldados alinhados nas trincheiras, feitos igualmente com canas.
Foi em casa do Joaquim que vi, pela primeira vez, fascinado, uma cultura de bichos-da-seda. E aí fui iniciado na lógica do raciocínio dedutivo. Face à conversa dele, peguei num casulo e afirmei, convencido: Mas isto não pesa nada!. O Joaquim olhou-me calmamente e corrigiu: Repara que nada mais nada é igual a nada, e eu tenciono vender os casulos ao quilo... Inesperadamente, eu acabara de tomar consciência da importância dos pequenos nadas. E mais: que era preciso atender às leis de conservação universais que regem as ciências experimentais, como a Física. Mas isso só o compreendi, verdadeiramente, muitos anos depois.
Interrogo-me hoje até que ponto me terão influenciado as brincadeiras com o notável Joaquim, que comigo partilhou fraternalmente a sabedoria adquirida com inteligência no contacto com a Natureza. Quem pode prever o destino das sementes caídas no terreno da infância?
Artigo publicado no jornal O Mirante (14-03-1995)
e no livro Histórias Devidas, Edições ASA, 2006.
O Joaquim era o meu companheiro preferido de brincadeira, em tempo de férias da escola primária. Com ele calcorreava a quinta onde moravam os meus avós paternos, no Pinheiro Grande, que foi palco das mais excitantes descobertas e aventuras da minha meninice. A propriedade era pertença do senhor David Salgado, conhecido farmacêutico na Golegã, que ali vinha passar fins-de-semana e períodos de férias com a família.
.jpg][Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar esta imagem]Com o Joaquim aprendi a armar ratoeiras, a fazer fisgas com elásticos e couro flexível montados num pedaço de ramo em Y, e a construir armadilhas, com bocados de cana presos com guita, para caçar melros e tordos vivos, sendo o engodo as lagartas que ele desencantava com perícia nos caules do milho.
No tanque que ficava no cimo da encosta, já a caminho da charneca, observávamos deliciados o verde mesclado e brilhante das rãs e, coisa espantosa, impressionavam-nos os insectos que deslizavam à superfície da água, por impulsos descontínuos, apoiados nas patas, cujas extremidades pareciam ter almofadas flutuadoras. Era aí também que púnhamos a navegar os pequenos barcos construídos com casca de pinheiro, que se deixava facilmente moldar com o canivete. Recordo-me que, na fase dos acabamentos, esfregávamos as partes a bolear nas paredes de cimento do tanque, que era a lixa que tínhamos à mão.
À hora da merenda, subíamos a uma nespereira enorme, inclinada sobre uma courela, que ficava próximo do canavial onde pernoitavam bandos infindos de pardais barulhentos. Ou, então, descíamos à várzea, para saborear as ameixas mais perfumadas que já conheci. Outras vezes, respondia ao chamamento vindo de baixo, gritado da eira onde guinchava a máquina de descarolar o milho e se ouvia o bater compassado dos manguais, entremeado com a vozearia dos homens atarefados na debulha do feijão. Pão com queijo e uma pinga de café adoçado com mel de cortiços caseiros, era o tipo de mimos com que a avó Engrácia me apaparicava.
Guerras também as fazíamos, naquele tempo. O Joaquim era um especialista no fabrico de armas de arremesso. Uma delas era feita com um tronco direito de sabugueiro, a que se retirava o miolo, onde trabalhava um êmbolo feito à medida, em pau de marmeleiro: os projécteis eram pequenas rolhas de cortiça colocadas nas extremidades do tronco, que saíam com estrondo sob a pressão do ar. Numa outra arma, mais sofisticada, que até tinha gatilho, o Joaquim utilizava como espingarda um bocado de cana grossa com cavidades judiciosamente abertas, onde encaixava um ramo de marmeleiro dobrado: aqui, as balas eram pequenos canudos de cana fina colocados no interior do cano, encostados ao gatilho; desprendido este, lá voava o projéctil em direcção aos soldados alinhados nas trincheiras, feitos igualmente com canas.
Foi em casa do Joaquim que vi, pela primeira vez, fascinado, uma cultura de bichos-da-seda. E aí fui iniciado na lógica do raciocínio dedutivo. Face à conversa dele, peguei num casulo e afirmei, convencido: Mas isto não pesa nada!. O Joaquim olhou-me calmamente e corrigiu: Repara que nada mais nada é igual a nada, e eu tenciono vender os casulos ao quilo... Inesperadamente, eu acabara de tomar consciência da importância dos pequenos nadas. E mais: que era preciso atender às leis de conservação universais que regem as ciências experimentais, como a Física. Mas isso só o compreendi, verdadeiramente, muitos anos depois.
Interrogo-me hoje até que ponto me terão influenciado as brincadeiras com o notável Joaquim, que comigo partilhou fraternalmente a sabedoria adquirida com inteligência no contacto com a Natureza. Quem pode prever o destino das sementes caídas no terreno da infância?
Artigo publicado no jornal O Mirante (14-03-1995)
e no livro Histórias Devidas, Edições ASA, 2006.
m.f- Membro Sénior
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
Com este texto, fez-me recuar 40 ano, e, até mais, com muita saudade e um nosinho na garganta... tempos que para nós havia liberdade, poucas regras, mas respeito... coisas que nus marcam para o resto da vida, é pena que novas gerações não tenham um pedacinho destas marcas, muita coisa seria diferente... há coisas que tento passar aos meus filhos, embora os tempos já nada tenha a ver, ( pena,já ser fácil arranjar os lagartos do milho e as ratoeiras vão ficando a ganhar ferrugem) bons tempos...
Mulerite- iniciado
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
PALAVRA CHAVE " RESPEITO"
m.f- Membro Sénior
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
e verdade embora tenha uma idade tenrinha comparado com muitos de voz, eu nas ferias da escola chorava e implorava aos meus pais para ir para a terra ter com a minha avo, onde podia andar na rua o dia todo onde se brincava com tudo onde a nossa imaginação voa e somos livres ir pastar as cabras e as vacas que a minha avo tinha era uma coisa que me fascina-va... e que tenho enormes saudades daqueles tempos onde os meninos da minha idade jogavam ao berlinde com caganitas de cabra, e eram bem mais felizes que eu em lisboa que tinha tudo de mao beijada, mas nao tinha o que eles tinham LIBERDADE para brincar e andar a vontade na rua
Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
Que saudades ...
L.Agostinho- Fundador
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
olha a fisga tantos pardais que matei
joão paulo- colaborador
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
BELOS TEMPOS...
m.f- Membro Sénior
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
m.f escreveu:As lições do Joaquim
O Joaquim era o meu companheiro preferido de brincadeira, em tempo de férias da escola primária. Com ele calcorreava a quinta onde moravam os meus avós paternos, no Pinheiro Grande, que foi palco das mais excitantes descobertas e aventuras da minha meninice. A propriedade era pertença do senhor David Salgado, conhecido farmacêutico na Golegã, que ali vinha passar fins-de-semana e períodos de férias com a família.
.jpg][Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar esta imagem]Com o Joaquim aprendi a armar ratoeiras, a fazer fisgas com elásticos e couro flexível montados num pedaço de ramo em Y, e a construir armadilhas, com bocados de cana presos com guita, para caçar melros e tordos vivos, sendo o engodo as lagartas que ele desencantava com perícia nos caules do milho.
No tanque que ficava no cimo da encosta, já a caminho da charneca, observávamos deliciados o verde mesclado e brilhante das rãs e, coisa espantosa, impressionavam-nos os insectos que deslizavam à superfície da água, por impulsos descontínuos, apoiados nas patas, cujas extremidades pareciam ter almofadas flutuadoras. Era aí também que púnhamos a navegar os pequenos barcos construídos com casca de pinheiro, que se deixava facilmente moldar com o canivete. Recordo-me que, na fase dos acabamentos, esfregávamos as partes a bolear nas paredes de cimento do tanque, que era a lixa que tínhamos à mão.
À hora da merenda, subíamos a uma nespereira enorme, inclinada sobre uma courela, que ficava próximo do canavial onde pernoitavam bandos infindos de pardais barulhentos. Ou, então, descíamos à várzea, para saborear as ameixas mais perfumadas que já conheci. Outras vezes, respondia ao chamamento vindo de baixo, gritado da eira onde guinchava a máquina de descarolar o milho e se ouvia o bater compassado dos manguais, entremeado com a vozearia dos homens atarefados na debulha do feijão. Pão com queijo e uma pinga de café adoçado com mel de cortiços caseiros, era o tipo de mimos com que a avó Engrácia me apaparicava.
Guerras também as fazíamos, naquele tempo. O Joaquim era um especialista no fabrico de armas de arremesso. Uma delas era feita com um tronco direito de sabugueiro, a que se retirava o miolo, onde trabalhava um êmbolo feito à medida, em pau de marmeleiro: os projécteis eram pequenas rolhas de cortiça colocadas nas extremidades do tronco, que saíam com estrondo sob a pressão do ar. Numa outra arma, mais sofisticada, que até tinha gatilho, o Joaquim utilizava como espingarda um bocado de cana grossa com cavidades judiciosamente abertas, onde encaixava um ramo de marmeleiro dobrado: aqui, as balas eram pequenos canudos de cana fina colocados no interior do cano, encostados ao gatilho; desprendido este, lá voava o projéctil em direcção aos soldados alinhados nas trincheiras, feitos igualmente com canas.
Foi em casa do Joaquim que vi, pela primeira vez, fascinado, uma cultura de bichos-da-seda. E aí fui iniciado na lógica do raciocínio dedutivo. Face à conversa dele, peguei num casulo e afirmei, convencido: Mas isto não pesa nada!. O Joaquim olhou-me calmamente e corrigiu: Repara que nada mais nada é igual a nada, e eu tenciono vender os casulos ao quilo... Inesperadamente, eu acabara de tomar consciência da importância dos pequenos nadas. E mais: que era preciso atender às leis de conservação universais que regem as ciências experimentais, como a Física. Mas isso só o compreendi, verdadeiramente, muitos anos depois.
Interrogo-me hoje até que ponto me terão influenciado as brincadeiras com o notável Joaquim, que comigo partilhou fraternalmente a sabedoria adquirida com inteligência no contacto com a Natureza. Quem pode prever o destino das sementes caídas no terreno da infância?
Artigo publicado no jornal O Mirante (14-03-1995)
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Nunca é demais recordar !!!
L.Agostinho- Fundador
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
joão paulo escreveu:olha a fisga tantos pardais que matei
E NÃO SÓ VIDROS TAMBEM
joão paulo- colaborador
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
E TAREIAS QUE LEVASTE...NÉ EU AVISEI-TE NÃO AVEISEI...
m.f- Membro Sénior
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
tareias não porque eu fugia mas ainda paguei alguns
joão paulo- colaborador
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
PENSO QUE DEVIDO AO ESTADO QUE SE ENCONTRA A CAÇA DEVIA-SE CAÇAR 3 ANOS COM FISGA....
m.f- Membro Sénior
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
nao tarda muito pelo camigo que vejo a caça a ir nao ade demorar muito para isso mario
Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
Agora e mais a 4.5 ou 5.5
Pedro5- Moderador
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Re: AS SAUDADES QUE TENHO....
luis cruz escreveu:epah eu nem digo nada pois ja sofri a minha parte a conta da fisga
Luís não me digas que rebentou algum elástico e levas-te com ele na cara.... /
Mulerite- iniciado
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